Eu escolho a mim mesma e assim jamais ficarei decepcionada
Eu comecei a ver “Anne With an E” por indicação de uma amiga (obrigada, Tamara), ela comentou no Facebook e decidi dar uma chance e ver o primeiro. Aí do primeiro fui pro segundo, pro terceiro e quando me dei conta tava terminando o sétimo – e último – episódio da primeira temporada.
A série se revelou pra mim exatamente o que a imagem me passou, é absurdamente forte e, ao mesmo tempo, de uma delicadeza bastante própria.
“Eu sou bem mais forte do que pareço”
Os temas abordados na série são diversos. O enredo é muito bom, a história e a curiosidade de entender aqueles personagens e seus destinos já prendem por si só.
Aí no meio disso tudo tem uma adolescente se tornando mulher, iniciando seu contato com o feminino e explodindo em questionamentos sobre os padrões nos quais precisa se enquadrar para se tornar essa mulher que as pessoas esperam.
Anne tem uma vontade gritante de trilhar seu próprio destino e se vê em constante conflito com aquilo que é previamente moldado para ela.
A série é baseada num livro de 1908 (Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery) o que torna seu texto ainda mais surpreendente.
Anne foi descrita por Moira Walley-Beckett, escritora responsável pela adaptação do livro para o roteiro da série, como uma “feminista acidental”, já o enredo me soa mais como feminista intencional mesmo.
A grande ideia feminista que corre a sociedade e o debate das “mães progressistas” é que as meninas devem ter o mesmo direito à educação que os meninos.
Mas as ideias que percorrem a série vão muito além disso.
A série mistura um ar leve com temas bastante complexos, é mais intensa do que parece, muito mais forte do que imaginamos.
“Às vezes é preciso deixar as pessoas amarem você”
Os episódios contam a história enquanto falam, entre outras tantas coisas, de igualdade, de acolhimento e de amor.
Fala de amor entre amigas, da descoberta do amor romântico, de amor materno e de cumplicidade.
Não pode ser classificada como uma história de amor no sentido habitual dessa classificação, mas não se pode negar que se trata de uma.
“Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”
Anne é apaixonante, uma menina cheia de palavras, que ama livros e verbaliza absolutamente todas as suas ideias e emoções.
Usa sua imaginação absurdamente fértil para fugir eventualmente da realidade em que vive, embora seja surpreendentemente lúcida de seu contexto.
A prolixidade de Anne é encantadora, vi a primeira temporada completa duas vezes, a primeira com áudio original, em inglês, e a segunda dublada. Embora eu prefira a versão com áudio original, é preciso dar créditos para a dublagem da série, é sensacional, não prejudicou em nada o conteúdo e toda a beleza dos diálogos originais foi mantida.
“As obrigações podem ser uma prisão”
A série quebra o romantismo ao colocar com bastante objetividade a falta de perspectivas que uma realidade pode impor. É da consciência dessa realidade limitada na qual vive que vem a lucidez de Anne.
“É isso que você precisa decidir: viver uma vida sem arrependimentos.”
Anne With an E tem um elenco predominantemente feminino, as personagens são boas, fortes e diversas. Tem a personagem que quis casar e ser mãe, tem a que não quis, tem a que casou com outra mulher, tem a que adotou uma criança, tem a que fundou o grupo de discussões feministas e introduziu essa ideia naquela comunidade, tem a que acha isso tudo uma bobagem.
Tem de tudo, personagens bem delineadas, fortes, marcantes.
É baseada num livro escrito por uma mulher, produzida por Miranda de Pencier, com elenco predominantemente feminino, mas, acima de tudo, não é uma série para mulheres, daquelas tipicamente desenhadas para o público feminino.
Anne é uma história sobre a vida. Os livros, em verdade, formam uma série que conta a história de uma mulher dos 13 aos 40 anos, em português temos somente o primeiro livro (Anne de Green Gables), que conta essa história dos 13 aos 16.
(Por isso tô aqui falando tudo isso, a ideia é que todo mundo veja a série e ela faça o maior sucesso do mundo e esses livros sejam todos traduzidos e a série tenha temporadas de todos. Vamo gente, ajuda!)
Anne With an E vale seu tempo, é uma série necessária.
Bate uma sofrência quando a primeira temporada acaba, especialmente pela forma como acaba, mas “o luto é o preço que se paga pelo amor”, faz parte.
Feminista por necessidade, desde criança encontrou na verbalização uma arma de resistência, escreve porque acredita nas palavras como fonte inesgotável de magia, na importância do debate e na força da pluralidade de vozes.